As técnicas de storytelling da Pixar e como usá-las na sua comunicação

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Arthur Dambros

Finalmente, consegui parar para fazer o Pixar in a box, o curso de storytelling da Pixar, que estava há um tempo na lista. O curso inteiro tem 15 módulos, que vai desde a construção da narrativa até questões como luz, cor e modelagem 3d. Embora nem todos se interessem por luz, cor ou modelagem 3d – afinal, nem todo mundo quer fazer um filme -, penso que quase todos querem saber em que consiste uma boa história e como ela é estruturada.

Encontrei essas respostas especialmente nas aulas 2 (character) e 3 (structure), do módulo dedicado à construção de narrativa. Anotei algumas coisas:

Bottom line: uma história é sempre (1) a história de algum personagem (2) contada de alguma maneira. Portanto, achar a história certa e achar a forma certa de contar essa história são os tópicos dessas duas aulas.

Aula 2: Personagem

Para a Pixar, são 5 elementos principais que devem estar presentes na história de um personagem.

1. Internal vs. external features

Toda história gira em torno de um protagonista, que precisa ser definido em dois termos: suas características internas e suas características externas. Internas: medos, inseguranças, personalidade, etc. Externas: idade, corpo, vestimenta, etc.

Quanto mais forte e denso é um personagem, mais a gente consegue imaginar como esse personagem agiria em quase qualquer situação. Isso tudo ajuda a gerar (ou não) empatia com o protagonista – e essa é a base de tudo.

2. Wants vs. Needs

  • “Now we’ll talk about what motivates the character to act in the world”

Para um personagem ser mais do que só um personagem, ele precisa estar dentro de um enredo, e o princípio de todo enredo é um desejo (want) – um objetivo a ser alcançado pelo personagem.

Mas por trás desse desejo existe uma sombra, que esconde uma necessidade (need). Ou seja, nem sempre o que o protagonista quer é o que ele precisa. Só que ele não percebe isso no início. Por isso ele começa buscando algo, que inicia sua jornada, mas ao longo dela ele percebe que o que ele queria (want) não era o principal, pois o principal era outra coisa (need), que ele aprende num momento de realização.

Ex: é esse dilema wants vs. needs que torna tão apelativas as histórias das pessoas que saíram em busca de dinheiro, fama e prazeres para então, mais tarde, perceber que nada disso importava e que a felicidade se encontra nas pequenices do dia a dia.

3. Obstacles

  • “Something which stands in the way of the character and prevents them from getting what they want or need”
  • “Can be internal (a fear) or external (an enemy). If external, always relate to how it reflects internally in the character – the importance is always the subjective perception about the obstacle”
  • “Sometimes is the obstacle that makes the character realize the difference between what he wants and what he needs: if obstacle wins, maybe that turn out not to be a bad thing”

O obstáculo é o que concede tensão à trama. É o que dá vontade de continuar olhando: ele será superado? como será superado? o que acontecerá depois?

4. Character arc

  • “The character arc is how the character deals with the obstacle; there’s a specific way of dealing with the obstacle so that the storytelling is appealing”

Se o personagem sempre vence o desafio, não tem graça. Se ele sempre perde, também não. O objetivo do obstáculo é fazer com que o personagem passe por uma transformação, e para isso ele precisa sofrer durante o processo de superar o obstáculo e depois terminar melhor do que começou. Assim, já introduzindo um pouco da lógica da estrutura narrativa que será explorada na próxima aula, a Pixar sugere uma certa forma de construir a relação do personagem com o obstáculo:

5. Stakes

  • “Why do we care? Is it a silly journey or an important one?”
  • “If you fail, what happens? The stakes must be high in order to be interesting.”

Por fim, as escolhas precisam tornar a história não apenas interessante, mas significativa. Selecionar os elementos todos – internal & external features; wants & needs; obstacles; arc challanges – não será suficiente se eles não representarem coisas importantes e tocantes.

Aula 3: Estrutura

A aula 2 deu as bases de quais elementos precisam conter na história que vamos contar. Agora é preciso entender qual é a estrutura certa para contá-la: o que vai no início, o que vai no meio e o que vai no fim. A Pixar chama isso de story spine, é composta por 3 atos, cada um com 3 etapas.

Ato 1: Setup

(Os atos não têm nome. “Setup” é um descritivo meu, pra lembrar a ideia principal.)

Aqui, a ideia é apresentar o personagem e seu mundo, de modo a nos identificarmos e nos envolvermos com ele – para então, ao final, apresentar o grande obstáculo. O ato 1 termina no ápice, deixando em aberto a grande questão do filme, que se desenrolará no ato 2.

Isso acontece assim: “era uma vez” um personagem, que vivia dessa e dessa forma, que agia desse jeito, “every day” esse personagem fazia determinado esforço, tendo em vista seus objetivos e sonhos, “até que um dia” algo terrível acontece que muda para sempre a vida desse personagem e impõe um grande desafio para ele.

  • “Meet the character’s world and understand his place and problem in the world”
  • “Give your character a set of challanges to overcome”
  • “The inciting incident take the character into a journey”
  • “Hook the reader in something that’s going to happen next”
  • “Something very important and emotional should be at stake, something you as author really care about”

Ato 2: Journey

Cada “because of that” é um desdobramento do obstáculo, como se fossem as batalhas de uma guerra. É quando algo acontece com o qual o personagem tem que lidar. É o ato 2 que toma a maior parte do tempo de um filme. Ele acontece de forma progressiva, com cada “because of that” mais cabuloso que o outro, até que um deles é tão grande e forte que põe em risco nosso protagonista e a jornada inteira (point of no return).

  • “Now begin the journey to achieve those goals”
  • “Progressive complications in a chain of events”
  • “You beat your character up a lot, making things very hard for them”
  • “Empathize how the character is dealing and learning with those obstacles; you should cheer for them”
  • “The low point: where everything goes wrong and seems to be lost; the low point force the character to confront what they didn’t want to confront”

Ato 3: Popcorn

Chamo de pipoca por causa da metáfora do escritor Rubem Alves, que diz que o milho duro pode virar pipoca gostosa, mas não antes de passar pelo sofrimento (o fogo da panela). É assim com o personagem. Ele passou pelo fogo da panela (ato 2), agora é hora de virar pipoca – o final feliz e a transformação. Normalmente, aqui existe uma espécie de retorno, quando o protagonista volta para seu contexto inicial, mas volta transformado – as coisas já não são mais as mesmas, são agora melhores porque ele aprendeu a moral da história.

  • “And then character sacrifices their wants for their needs”
  • “It have to be emotional, not just logical: it’s the end of the character’s emotional arc, the moment he wants do cry because something important and big changed in him or in the world”
  • “It’s when he learns his lesson (which is the moral of the story)”

Isso é aplicável na comunicação de marketing?

Penso que parte importante do trabalho de marketing é a construção de uma narrativa de vendas poderosa, que saiba traduzir o valor do produto para seu público. Essa narrativa não é uma peça de comunicação, mas um guia para a comunicação, que será desdobrada tanto nos canais de marketing (redes sociais, PR, site, etc.) quanto nos canais de venda (pitch, apresentação comercial, etc.).

Mas as narrativas da Pixar não são narrativas de venda. Elas são criadas para nos fazer não querer desgrudar da tela, não para criar desejo de compra. E, mais importante, são pensadas para um formato específico, filmes, que não são normalmente um canal de comunicação de vendas. Por isso, não acho que essa seja uma estrutura narrativa que possa ser usada ipsis literis na comunicação de vendas. A mesma coisa acontece, na minha opinião, com a clássica Jornada do Herói, do Joseph Campbell, e a menos conhecida The Story Scaffold, da Bernardette Jiwa. São poderosas estruturas narrativas, mas pouco aplicáveis ao universo de vendas. Para esse fim, existem outras melhores, que não vou abordar nesse artigo mas cito algumas como exemplo:

Porém, nem toda história que uma empresa precisa contar é a história de venda do produto. Paralela às histórias de venda dos produtos, há sempre uma história institucional, da empresa, que eu chamo de narrativa de causa. As narrativas de venda e a narrativa de causa precisam ter relação entre si, uma potencializando a outra, mas elas não são a mesma coisa. A narrativa que faz seu cliente querer comprar seu produto não é a mesma narrativa que faz seu cliente amar sua empresa. Elas têm elementos diferentes, estruturas diferentes e são contadas em canais diferentes.

Para a narrativa de causa, acho que a Pixar contribui com alguns elementos interessantes. Se entendermos a nossa empresa como protagonista, qual história ela está protagonizando? Quem ela é (internal vs. external featues) e o que ela quer (wants & needs)? Quais os obstáculos que se colocam no caminho? Essas são perguntas pertinentes.

O Nubank, por exemplo, era um jovem inovador e quebrador de regras que se rebelou contra o engessado sistema bancário. Existia uma personalidade de marca, com a qual a gente se identificava (o cartão roxinho – external feature – mostrando simpatia), um want que todos compartilhávamos (tornar mais fácil e transparente o uso dos produtos bancários) e um obstáculo/vilão de quem ninguém gostava (os gerentes dos bancos e seu modus operandi). Por isso, assim como torcemos pelos protagonistas dos filmes, torcíamos pelo sucesso do Nubank. Sem dúvida, tiveram muitos “because of that” no meio do caminho, lutas contra as quais o Nubank teve que lutar – se bem comunicadas, fizeram o público lutar junto, torcer junto, acompanhar a trajetória. O problema é que isso é difícil de fazer. O mais comum é que a empresa vá perdendo a essência da sua narrativa e virando só uma empresa mesmo, como um personagem sem enredo, e por isso não tem nada a comunicar além de resultados trimestrais. A marca perde força.

Penso, em resumo, que podemos aprender muito com a Pixar sobre como estruturar histórias para capturar e conduzir a atenção e a emoção das pessoas, pois esse é sempre o grande desafio de uma narrativa – esteja ela em um livro, filme, redes sociais ou apresentação comercial. Mas precisamos entender que cada narrativa se propõe a coisas diferentes, e as da Pixar não se propõem a vender, mas sim engajar. Por isso, sugiro que seus elementos sejam principalmente usados não nas narrativas de venda dos produtos, mas na narrativa de causa da empresa, que é justamente onde buscamos o engajamento das pessoas.

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