Para quem tem um martelo, tudo é preto. Contrate comunicadores e branding será sempre a resposta que parece estar faltando. Não é bem por aí. O branding não tem um fim em si mesmo. Ele só tem valor na medida em que ajudar a startup a crescer. E o que é realmente essencial para isso?
Nesse artigo, pretendo:
- Definir (sem enrolação) o que é branding;
- Apresentar os diferentes papeis que ele tem (e não tem) ao longo da jornada de uma startup;
- Sugerir o que é que você realmente precisa dominar sobre branding para crescer (para crescer, não para “construir uma marca legal”)
Uma definição objetiva de branding
O que é uma marca? Para entender branding, precisamos entender o que é uma marca: uma marca é uma impressão deixada. É o que (1) o seu público entende e (2) como ele se sente em relação a sua empresa ou produto.
O que é branding? Se marca é isso, então branding é o trabalho ativo de tentar influenciar nessa impressão que é deixada, para que ela seja a mais próxima da que você gostaria que fosse.
Por que tentar influenciar a marca deixada? Simplesmente porque dependendo do que seu público pensa sobre você, ele estará mais ou menos propenso a comprar de você. E você quer maximizar conversão.
Como você se faz branding? A rigor, tudo que afeta a percepção do seu cliente sobre você é um veículo de branding. Mas a mais poderosa ferramenta de branding é a comunicação, pois é com ela que você constrói uma narrativa. E essa narrativa afeta diretamente como seu público entende e se sente em relação a sua empresa ou produto.
Portanto, não se importar com branding seria o equivalente a não se importar com:
- Se o seu cliente entende o que você faz
- Se o seu cliente compreende sua proposta de valor
- Se o seu cliente consegue perceber se seu produto é ou não para ele
- Se o seu cliente acredita no que você está falando
Não sei você, mas eu me importaria com isso.
O papel do branding por estágio de maturidade da startup
O branding não é um objetivo, mas uma ferramenta – que precisa se adaptar às necessidades do negócio. Como essas mudam ao longo da jornada da startup, também as formas de fazer branding devem mudar.
Fase 1: do discovery ao product-market fit
O papel do branding? No início, branding está mais associado a (1) entender o cliente suficientemente para (2) criar uma narrativa de venda que emplaque (emplacar = vender). Tanto seu produto quanto sua narrativa estão sempre em constante mudança, tentando dar match um com o outro e ambas com o público. Branding se resume a isso, nessa fase: entender quem é o cliente e aprender qual é a melhor forma de comunicar o seu produto para ele.
O risco nessa fase? Ter um bom produto, mas não conseguir comunicá-lo, de modo que o público não entende e o product market fit não vem (ou demora para vir).
Quem é responsável? Nessa fase, embora branding já seja uma função, raramente é uma área. No caso de startups sales-led growth, ela tende a ser desempenhada por um vendedor mais sênior, normalmente o próprio founder, que carrega nele a semente do que no futuro será o sales enablement. No caso de startups marketing-led growth, ela tende a ser desempenhada por um marketeiro sênior, também normalmente o próprio founder ou um braço direito dele, que tem um olhar mais refinado para a comunicação e ajuda a direcioná-la.
Fase 2: do product-market fit para a escala
O papel do branding? Com o crescimento, você vai começar a perceber que o desafio já não é mais tanto descobrir qual é o discurso vencedor (embora você continuará refinando ele sempre), mas sim estruturá-lo para que ele não se perca. Afinal, agora não é mais o founder lá no front do comercial ou do marketing, mas sim um time de vendedores e marketeiros, sendo que a maioria deles, contratados depois, não passaram pelo aprendizado da primeira fase. Eles não possuem, portanto, o conhecimento tácito que tem o founder e os funcionários earlystage. É fácil que o discurso se perca e enfraqueça, de modo que prejudique a capacidade de escala.
O risco nessa fase? Ter um bom discurso, mas não conseguir levá-lo para a prática, de modo que a comunicação perde força e a startup não consegue ou demora para escalar.
Quem é responsável? Nessa fase, o founder cede parte da sua responsabilidade para os heads das áreas de marketing e de vendas, pois agora são eles os líderes responsáveis por garantir tanto que o discurso não se perca quanto que ele evolua nos diferentes canais. O founder, agora já como diretor, precisa acompanhar e orientar essas diretrizes.
(Mas branding é então responsabilidade tanto de vendas quanto de marketing? Claro, pois a narrativa é a mesma. Inclusive, um dos principais sintomas de uma narrativa de vendas fraca é o tamanho do gap entre as comunicações de marketing e vendas – se ele é grande, é porque não há clareza da narrativa, e cada um faz a sua como convir.)
Fase 3: da escala para a consolidação do mercado
O papel do branding? Até aqui, perceba que o branding só se preocupou com comunicação de vendas. A “marca” que ele tentou deixar no cliente é aquela que gerasse puramente desejo de compra e maximizasse taxa de conversão. O branding trabalhou em nível de produto muito mais do que em nível institucional. Mas agora isso vai precisar mudar. Por quê? Basicamente porque agora a startup já tem uma marca que ela precisa cuidar. Esse branding, agora mais institucional, também atua em prol das vendas, mas indiretamente: é o que aumenta ou reduz a propensão do mercado a querer comprar de você – seja porque ele considera você tecnológico, cool, inovador, eficiente, validado ou seja quais forem os atributos que você tiver conseguido construir na sua marca.
O risco nessa fase? Não conseguir consolidar o posicionamento da empresa no mercado justamente na fase em que a marca institucional passa a ser uma alavanca de crescimento orgânico e diferenciação.
Quem é responsável? Nessa fase, o branding vai provavelmente ganhar estrutura própria, inclusive para tentar solucionar esse problema do marketing vs. vendas (embora raramente consiga…). Sua função será olhar as narrativas de cima e acompanhar seu desdobramento nos diversos canais, sejam eles de marketing ou de vendas.
As 2 narrativas que você precisa saber contar
Existem, portanto, dois tipos de história que uma empresa precisa saber contar: (1) as narrativas de venda, associadas aos produtos; e (2) a narrativa institucional, associada à marca.
- As narrativas de venda podem ser múltiplas, tanto mais variadas quanto forem os públicos atendidos. No início, tende a ser uma única narrativa, para um único público, mas a complexidade começa a aumentar na mesma medida em que cresce o portfólio de produtos.
- A narrativa institucional é única e tem a ver com a empresa, não com os produtos. Ela é um guarda-chuva, abaixo do qual os produtos ganham coerência, para que o mercado perceba uma unidade no posicionamento estratégico da empresa, e não apenas uma junção aleatória de diferentes produtos para diferentes mercados.
Agora você já pode compreender que a necessidade de cada um desses tipos de narrativa é diferente em cada momento. É por isso que Andrew Chen foi contra “brand marketing” para startups: “Brand marketing is mostly useless for consumer startups. Startups build a great brand by being successful, finding produt market fit and scaling traction”.
Por “brand marketing”, ele refere-se ao branding institucional, à narrativa “da marca”. Por “startups”, ele estava se referindo às 2 primeiras fases mencionadas. E, de fato, nesses estágios, o branding institucional não é relevante, pois ele supre uma dor que só surge depois. Portanto, não deveria ser foco.
Portanto, se você estiver nesse estágio, desencane da narrativa institucional (deixe ela com consequência do seu sucesso no mercado, como sugeriu Andrew Chen) e foque em construir uma boa narrativa de vendas. Essa é a parte do branding que você deve focar: entender o produto, entender o público e criar uma comunicação que sirva de ponte entre eles. Como fazer isso?
Já vimos que, nesse estágio inicial (fases 1 e 2), o branding é apenas uma entre as tantas funções que têm o founder e seus heads de marketing e vendas. Uma função essencial, sem dúvida, mas ainda assim apenas uma entre tantas. Não há uma área nem ninguém dedicado a isso – e nem deveria mesmo. Portanto, o que precisamos é simplificar o assunto.
Não vamos falar de tom de voz, emoções de marca, símbolos e artefatos, valores de marca, identidade visual, menos ainda (não se preocupe) de “agências de branding”. A complexidade seria sintomática aqui.
Nesse estágio, tudo isso é substituído pelo bom senso dos founders. Se forem verdadeiros, a comunicação será verdadeira; se forem técnicos, a comunicação será técnica; se forem inteligentes, a comunicação será inteligente. Mais tarde, a verdade, a tecnicidade e a inteligência podem até fazer parte do tom de voz (ou deixar de sê-lo, por decisão) – mas, por hora, isso não precisa ser articulado.
O que é que precisa ser articulado? A narrativa de venda. Você precisa: (1) ter clareza de quem é seu cliente; (2) ter conhecimento profundo do seu produto; (3) para saber o que falar para seu público se interessar pelo seu produto.
E você precisa testar isso de novo e de novo, encontrando novas e melhores formas de apresentar o produto e aprendendo novas e melhores coisas sobre o seu cliente.
O aprendizado (o processo de criar e pivotar a narrativa) será tão importante quanto o resultado (a narrativa em si). Depois de 6 ou 12 meses em contato com o cliente, criando, testando e refinando sua narrativa, o conhecimento acumulado será enorme. E é esse conhecimento o que realmente importa nesse estágio, é o verdadeiro resultado do branding, que vai guiar as comunicações da empresa, sejam de marketing, sejam de vendas.
Um framework para criar a narrativa de vendas
Existem diversos frameworks para orientar a construção da narrativa. Em todos eles, existe uma base de elementos que precisam estar presentes:
- Big idea: a pessoa precisa ter clareza de qual é a sua proposta de valor
- Dores e problemas: a pessoa precisa perceber que ela precisa da sua proposta de valor
- Promessas e desejos: a pessoa precisa se impressionar com o que você pode fazer por ela
- Benefícios da solução: a pessoa precisa entender como seu produto vai cumprir essa promessa
- Confiança e autoridade: a pessoa precisa acreditar que você está falando a verdade
- Oferta: a pessoa precisa ser conduzida para a compra
Para cada um deles, você deve listar quais são as ideias importantes. As principais big ideas. As principais dores. As principais promessas. E assim por diante. Se você tiver clareza de quais são essas principais ideias, você terá nas mãos os elementos necessários para combiná-los em diferentes peças de comunicação. Essa é a função da narrativa, que servirá de briefing e base de entendimento para todas as comunicações de venda.
Desdobrando a narrativa na prática
A narrativa é algo abstrato. Ela é um conjunto de ideias importantes. Mas sua utilidade só existe na medida em que ela toma a forma da comunicação. “Testar a narrativa” significa, portanto, aplicá-la no processo de vendas – e ver se ela cola.
Isso depende do seu processo de vendas, que varia de acordo com seu modelo e sua estratégia. Em qualquer caso, o desdobramento se dá através da criação de ativos de comunicação. Ou seja: anúncios, site, landing pages, emails, apresentações comerciais – tudo isso deve ser encarado como peças de comunicação dessa narrativa. Você precisa olhar para o todo, para o conjunto total de ativos, e entender se eles estão contanto a história que deveriam. Essa é a primeira função que você precisa desempenhar bem: comunicação ou branding. A próxima pergunta é: isso está funcionando? Para isso, você precisará exercitar outras duas funções: Growth e Dados.
Growth vai pegar esses ativos de comunicação e distribuí-los ao longo do funil de vendas, de modo a extrair valor de cada um deles. O anúncio vai em qual campanha? Que é configurada com quais objetivos? Ele envia para qual landing page? Que ativa qual fluxo de automação de email? Essa arquitetura é essencial para extrair valor da comunicação.
Dados entram para acompanhar a performance e entender o que é que está funcionando (ou não) na prática, dando feedbacks que retroalimentam a narrativa. É como o flanelinha da narrativa: aqui não, bateu, volta, mais pra cá. Sem isso, você fica cego.
E você, como gestor de marketing, é o maestro que vai sincronizar essas funções. É você quem vai garantir que branding e growth não sejam áreas desconexas, e que haja uma base de dados adequada para direcionar a execução.
Não é fácil fazer isso. E é por isso que existe uma lacuna enorme de mercado para bons gestores de marketing. Na dotb, a gente ajuda gestores de marketing a elevar o nível em cada um desses 4 pilares dentro das suas empresas, cada pilar com seus entregáveis práticos. A narrativa é apenas um deles, existem diversos outros que precisam ser dominados.